sexta-feira, 23 de março de 2012

O que a chuva une o sol separa




Chovia forte lá fora, daqueles pés d’água que caem de uma hora pra outra como o dilúvio dos fins dos tempos. Ela entrou correndo no café, cabelo castanho molhado, vestes encharcadas e botas enlameadas. Sentou, pediu um café bem quente e de dentro do casaco molhado tirou um livro grosso, examinou-o com um cuidado de quem anseia por ver se um filho não se machucou ao cair da escada, abriu na página marcada com uma caneta lilás deu uma olhadela em volta e baixou seus olhos negros à ele.
Do outro lado, um rapaz magrelo, de óculos e uma barba espessa levantou a cabeça quando a invasora intempestiva apareceu.Por trás dos seu óculos grandes de aros redondos examinou atentamente a figura estranha, o cabelo longo e irregular pingando em suas costas, os olhos grandes,grandes com uma imensidão negra e infinita, as mãos e os pés pequenos e os ombros estreitos.Tentou ver o livro mas não conseguiu identificar o título.Ela,absorta na leitura não percebeu que era observada.Ele, introspectivo  não se dirigiu à ela,contentando-se em admirar sua figura.Não a conhecia,nunca a tinha visto na vida e mesmo assim sentia-se compelido a admirá-la.Não era daquelas extremamente bonitas,era comum e ao mesmo tempo diferente,parecia estar dissociada do local em questão.O magnetismo o prendia á olhá-la em cada gesto, cada virada de página,cada vez que bebericava o café ou piscava os grandes cílios.
Seu café esfriou e o capítulo do livro dela acabou. Quando pediu a conta percebeu o ávido olhar no outro extremo que a examinava como se fosse uma obra de arte em tamanho vivo. Envergonhada baixou os olhos e esperou a conta, convencendo-se de que era engano. Tentou concentrar-se em começar o capitulo seguinte, mas não adiantou, pelo canto do olho, observava a figura mediana, sentada com uma xícara nas mãos grandes de dedos longos, a barba espessa, mas macia que dava quase pra sentir, os olhos atentos e um olhar lânguido, um ar de calma premeditada e introspecção instigante, Ele tinha um ar de mistério e subjetividade, seu olhar não transparecia aversão ou contentamento, apenas olhava-a.
Ela queria voltar ao seu livro, mas porque diabos não conseguia parar de prestar atenção no estranho? E aquela conta porque demorava tanto? A chuva cessou, o sol meio que de brincadeira apareceu brilhante como se nunca tivesse sumido e a garçonete sorridente finalmente chegou. Ela pagou a conta, levantou e foi embora num átimo de segundo, daquelas atitudes que tomamos no ímpeto de situações tensas, da qual se arrepende segundos depois.
Ela, não encontrou nunca mais aquele café que se refugiou ao acaso e nunca mais conseguiu iniciar o capítulo do livro marcado com a mesma caneta lilás.
E ele?Se encontra sentado no mesmo café, na mesma hora, todos os dias

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