sexta-feira, 9 de março de 2012

desADMIRÁVEL MUNDO NOVO



“Comi a civilização. Ela me envenenou; fiquei contaminado. E então engoli minha própria perversidade.”


Essa frase de Admirável mundo novo me deu muito que pensar esses dias após uma discussão. Partindo do pressuposto que discutir em tópicos sociais é perca de tempo, pelo menos essa é a minha opinião, percebi que no demais não é exatamente assim. Isto é, também se levarmos em conta o assunto. E de qualquer forma de um jeito ou de outro, é discutindo e questionado, ouvindo convicções repetidas com firmeza que podemos ter um parâmetro sociológico de muitos casos.
Enfim deixando de enrolação, tudo teve início quando eu recebi a atualização de um comentário em uma charge que uma ex-professora minha tinha compartilhado no Facebook e eu tinha curtido. Charges estas, aliás, que circulam pela internet, funcionam tanto como outrora serviam os Autos do Gil Vicente fazendo a sociedade rir da ridicularização dela mesma de forma inconsciente, como também ilustração satírica e crítica de muitos episódios de nosso dia-a-dia.
Pois bem há muito tempo que eu decidi tomar a postura de não contestar cada comentário mal-informado, preconceituoso e obtuso que eu vejo na internet, me limitando a defender o que EU acho e argumentando tais convicções. Lembro de olhar embasbacada os comentários raivosos e inacreditáveis que via, após ler qualquer notícia relacionada ao caso “USP” nas grandes mídias ano passado, ouvia tanta declaração desinformada e estereotipada uma postura justiceira e ‘carnificiosa’ que era de assustar. Pois bem, entretanto, nesse dia meu autocontrole se esvaiu e eu fui obrigada a questionar tal comentário tão inverossímil que vi.
Pulando a discussão em si que não deve interessar - pra você, que deve ter achado meu blog ao acaso em uma noite de insônia ou um domingo tedioso - eis que a charge envolvia o caso “Pinheirinho” junto com o punhado de ações violentas que o governo de São Paulo vem realizando embaixo das nossas fuças. Em um dado momento da discussão o respectivo indivíduo meu interlocutor soltou a seguinte afirmação protótipo-capitalista “Eles não têm onde morar porque não tivera capacidade pra isso”
Ok, o pouco de esperança que eu tinha de plantar a semente da dúvida e da busca por outras fontes, morreu ali, e pude constatar e dimensionar tamanho individualismo e egoísmo do indivíduo moderno.
É como o Huxley descreveu no livro do qual extraí a frase do prólogo, as pessoas são condicionadas e por isso possuem capacidades diferentes, estando sujeitas a viver e morrer na mesma condição muitas vezes desigual e subumana. Entretanto, ao contrário dos bokanovskados de Huxley esse condicionamento não se dá de forma laboratorial e científica e sim se define pelo seu poder aquisitivo ou sua afortunada ou não tentativa de sair círculo social onde está inserido, mesmo tendo o sistema social e econômico empurrando o de volta para dentro.
Mas o mais impressionante é a capacidade de aceitação de tamanhas crueldades, como deixar crianças, famílias inteiras, seres humanos a míngua ou em condições precárias somente por esse argumento tão individualista.
O que eu me pergunto é: QUANDO deixaremos de achar que só porque NÓS estamos em uma condição mais privilegiada ou nas palavras do mundo competitivo Tivemos mais CAPACIDADE de conseguir bens materiais (pois claro, sua capacidade é medida pela sua conta bancária, pelo carro que você tem na garagem e pelo relógio que você ostenta, do que por características ínfimas e tão pouco relevantes como caráter e integridade) e vamos olhar para uma injustiça ao lado e se indignar a ponto de sentir como se fosse com você?Ao contrário dos seres bokanovskados nós ainda, e digo ainda, não fomos condicionados laboratorialmente. Nosso tratamento hipnopédico é feito conosco bem acordados, por isso nossa servidão voluntária é bem mais fácil de ser interrompida, quebrar o processo que nos levará ao mundo que o Huxley descreveu há oitenta anos atrás é mais fácil e tem que ser feito enquanto é tempo, porque muitas semelhanças já podem ser notadas agora.. Precisamos fazer exatamente como o Selvagem de Huxley fez; sentir o gosto amargo do fel e vomitar toda a perversidade que a civilização do Admirável Mundo Novo nos deu.

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